sábado, 10 de julho de 2010

Esta é uma "entrada" completamente diferente das anteriores...

... mas dois dias depois de ter terminado o essencial da minha vida de quase 40 anos como docente no ISEG sinto-me no direito de "dar um golpe" na "linha editorial" deste blogue. Desculpem!

Não sou, nunca fui, dado a grandes balanços de vida e a olhares "passadistas" sobre o que fica para trás, preocupando-me sempre mais o amanhã que o ontem. Mas desta vez dei comigo, professor, a pensar em três alunos que, ainda que de formas bem diferentes, deixaram marca em mim. Estes três são apenas o símbolo --- e que símbolo --- de tantos outros que tive e que de uma forma mais ou menos anónima "vieram" e "foram" no ciclo voraz da vida docente, marcada por novas "fornadas" a cada semestre.

Começo por recordar um aluno que tive há muitos anos, tantos que já lhes perdi o conto. A sua "história" ficou marcada em mim não por ser um grande aluno mas sim pela sua "história de vida" e pela força de vontade que demonstrou em estudar.
Já não faço a mínima ideia do seu nome mas lembro-me que vinha todos os dias de Tomar, de combóio. Foi, salvo erro, meu aluno nas aulas da então "Economia I", a cadeira anual do segundo ano e vinha às aulas da tarde, seguindo depois para o seu trabalho noturno: recolher o lixo de Lisboa nas "camionetas do lixo" da Câmara de Lisboa. Depois, de madrugada, apanhava o combóio para ir dormir a Tomar e à hora do almoço voltava para Lisboa a fim de repetir o ciclo de aulas-apanha de lixo-viagem de regresso a Tomar.
Onde quer que ele esteja, tenha ou não acabado o curso (não faço ideia!), aqui vai a minha admiração por ele e pelo seu sacrifício em nome de um ideal: aprender mais!

O segundo aluno que me veio à memória é hoje um dos nossos mais distintos colegas e tem um nome: Álvaro Pina!
Nunca, em tantos anos da profissão, vi um caso de um aluno que conseguiu responder as perguntas dos exames da forma como ele o fazia. Nem um ponto a mais, nem uma vírgula a menos e cada palavra estava no sítio certo, não faltando nenhuma nem estando nenhuma a mais. Simplesmente brilhante.
Mas o malandro fez-me a desfeita de ter deixado uma resposta incompleta e zás! Em vez de lhe dar 20 dei-lhe apenas 19! O que eu me tenho arrependido toda a minha vida! E já lho disse várias vezes: teria sido o único 20 que daria na minha carreira académica. Paciência. Agora já não há nada a fazer... :-(

Finalmente, o terceiro aluno que até é uma aluna. Melhor: é uma MULHER. Com letra grande, sim! Pelo facto de ela ser ainda aluna do Instituto deveria, provavelmente, omitir o seu nome mas como não é todos os dias que nos aparecem MULHERES destas, não resisto.
A Joana --- fiquemos só por aqui mas, como verão, é gato escondido com o rabo de fora --- foi minha aluna dois anos e nunca vi aquela cara sem um sorriso de lado a lado da cara!
A Joana É uma lutadora desde o nascimento, quando esteve morta e "ressuscitou" para a vida mas com danos irreversíveis na zona do cérebro que comanda os movimentos locomotores. Por isso ela tem um andar bastante "desequilibrado". E apesar da sua deficiência motora ela anda sempre de cara alegre, como que agradecendo (a Alguém?) o dom da vida. E anda todos os dias algumas horas em transportes públicos para ir para o ISEG e voltar a casa bem como para se dedicar a algumas outras actividades fora do ISEG. Nomeadamente, visita algumas escolas e fala com alunos para lhes incutir força e o respeito pelos deficientes que optaram por lutar em vez de se apoucarem como se fossem uns coitadinhos.
É esta MULHER-ALUNA que eu vou recordar mais intensamente. Felicidades, Joana!

E por aqui me fico. Comecei e terminei com dois exemplos de lutadores. Claro que não foi por acaso!

1 comentário:

  1. Ser professor é realmente uma experiência fantástica...!

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